Parque eólico no Rio Grande do Norte Foto JF Diorio
Empresas precisaram suspender fabricação por falta de demanda; fenômeno já era previsto pelo governo.
Em Jacobina, cidade no norte da Bahia, Adilson Jordão, 33, agora trabalha como entregador de produtos da chinesa Shopee. Foi a forma que ele encontrou de arcar com as despesas após ser demitido no ano passado da Torres Eólicas do Nordeste, joint venture entre a brasileira Andrade Gutierrez e a americana GE.
A TEN demitiu, em junho de 2023, 500 funcionários por falta de demanda. Adilson foi um deles: atuou como operador de máquinas da empresa por dois anos, onde recebia por mês R$ 4.400 com horas extras –hoje, como entregador, ganha R$ 1.500, sem benefícios trabalhistas.
“Quando me demitiram, eles falaram que estavam em busca de novos projetos para o ano seguinte (2024), mas ninguém tem previsão de nada mais. Já estamos quase chegando no meio do ano e até agora ninguém sabe”, afirma. Segundo funcionários, a empresa mantém hoje 50 empregados. Procurada, a TEN não quis comentar.
A situação dele e dos outros 500 colegas não é isolada. As indústrias eólicas vivem seu pior momento em décadas no país. A brasileira Aeris Energy, produtora de pás eólicas, por exemplo, demitiu nas últimas semanas mais de 1.500 funcionários que trabalhavam em Pecém, no Ceará, também por falta de demanda.
A empresa anunciou, em março, o fim do contrato com a europeia Siemens Gamesa e que, com isso, iria readequar suas linhas de produção. A Siemens Gamesa, aliás, suspendeu suas operações no início do ano passado em Camaçari, na Bahia. A GE, em 2022, seguiu o mesmo caminho.
De modo geral, a indústria eólica se queixa que o sufoco hoje vivido tem a ver com o excesso de energia no mercado interno, que inibi a construção de novos parques eólicos. A sobreoferta estaria sendo puxada pela instalação desenfreada de GD, a geração distribuída por placas solares, que é feita pelos próprios consumidores e empresas, sem planejamento ou monitoramento dos órgãos públicos.
O setor eólico nasceu no Brasil impulsionado por leilões públicos organizados pelo MME (Ministério de Minas e Energia) e pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Depois, se beneficiou com o aumento da busca por energia renovável no mercado livre. Os problemas começaram a partir de 2022, quando o preço de referência da energia elétrica, chamado de PLD, despencou.
“Quando a gente vendia no mercado regulado, o preço era resultante do leilão com contrato de 20 anos. Então, aquilo gerava pedido no chão de fábrica e era uma demanda estruturada. Já o mercado livre, quando percebe que o PLD está muito baixo, também nota sobra de energia no curto prazo e, em vez de fazer contrato de dez anos, fica comprando energia no curto prazo”, diz Elbia Gannoum, presidente da ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica).
“Na metade de 2022 ninguém vendeu contrato e em 2023 e 2024 [os contratos] não estão chegando”, acrescenta. O fenômeno é tratado pelo setor como desindustrialização acelerada e precoce.
O problema já entrou até no radar do governo, que sinaliza preocupação em preservar o ambiente de negócios para esse segmento da indústria.
“O setor é estratégico para o Brasil, e temos consciência de que está passando por uma crise de demanda. Temos sobra de energia, e não há encomenda de novos projetos”, afirmou à Folha Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços)
Segundo Rollemberg, já está claro que é importante estimular negócios para retomar os pedidos.
“Estamos trabalhando pela regulamentação das eólicas offshore, que vão precisar de equipamentos diretamente, e do hidrogênio verde, que fomenta o uso de energia renovável, mas também atuando pela instalação de data centers, que são grandes consumidores de energia e vão buscar cada vez mais energia limpa”, afirmou o secretário.
A primeira iniciativa da pasta foi chamar o setor para, em conjunto, avaliar o que pode ser feito em termos de políticas públicas para reverter o atual cenário. O governo está criando um grupo de trabalho para tratar do tema que vai incluir representantes do Mdic, do MME e da ABEEólica. A primeira reunião será na próxima sexta (17).
O setor já tem um pedido. Reivindica uma espécie de “Mover eólico”, em referência ao plano criado para as montadoras de veículos. A base desse projeto poderia vir do Nova Indústria.
Em certa medida, técnicos do governo federal já previam isso. Desde 2019, o Plano Decenal de Expansão de Energia, elaborado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), prevê queda do tamanho da capacidade instalada de energia eólica no final desta década e início da próxima.
O relatório que projeta os números de 2029, por exemplo, apontou que a capacidade instalada desse tipo de energia seria de 40 GW. O de 2030, 32 GW, e o de 2031 30,25 GW. O de 2032, publicado no ano passado, junta os números de solar e eólica, o que torna impossível a análise.
Ainda assim, o documento mais recente aponta que em 2032 o país terá 39,2 GW de energias solar e eólica instaladas e contratadas no SIN (Sistema Interligado Nacional), o que sinaliza provável queda acentuada da eólica. Em comparação, a soma de solar e eólica no PDE 2031 é de 41,25 GW –sem considerar geração distribuída e autoprodução, que registram altas enormes.
Segundo a BNEF, organização de pesquisas sobre transição energética da Bloomberg, o Brasil atingiu em 2023 o recorde de acréscimo de capacidade instalada de energia eólica, totalizando 4,98 GW (gigawatts) . Nos próximos quatros anos, porém, a tendência é ladeira abaixo, chegando a apenas 1,4 GW adicionados em 2027.
James Ellis, chefe de pesquisa da BNEF na América Latina, afirma que a regulamentação das eólicas offshores, por exemplo, é bem-vinda nesse cenário, mas alerta que não terá efeito no curto prazo, o que demandaria a análise de outras outra estratégias para preservar o setor. “Quando falamos de projetos offshore, é um mínimo de oito anos para colocar isso em ação. Então, não estamos falando de 2027, mas de 2037, 2040.”
De acordo com a BNEF, a dinamarquesa Vestas foi a empresa que mais entregou aerogeradores no Brasil em 2023 (2,2 GW), mais de 40% do total instalado no país. A empresa, porém, não está nem um pouco satisfeita com o atual momento do setor.
Leonardo Euler, vice-presidente de assuntos governamentais e regulatórios da Vestas na América Latina, aponta para subsídios e vantagens comerciais dadas a instaladores de placas solares da GD como principal motivo dessa desindustrialização. O segmento tem sido inclusive mais beneficiado, apesar de gerar menos retorno para a indústria local.
“Quando você olha projetos financiados pelo BNDES, o custo do capital para projetos eólicos com conteúdo local é o mesmo para projetos solares, onde praticamente 100% dos componentes são importados. Então há assimetrias, tanto do ponto de vista regulatório no caso da GD quanto na questão do custo de capital”, diz.
Segundo a ABEEólica, 80% das peças de um aerogerador instalado no Brasil são feitas dentro do país, no entanto, outro fator que prejudicou a indústria brasileira, segundo o executivo, foi a redução no preço de produtos da China. Aerogeradores com potência acima de 3.300 kVA (quilovolt-amperes) podiam ser comprados no exterior com tarifa zero de imposto de importação.
“Lá no Sul, por exemplo, a gente está desenvolvendo um projeto e [chegamos à conclusão] de que faz mais sentido a gente trazer nossa máquina de fora, pagando o imposto de importação da China, do que trazer do Ceará”, afirma Euler. Ele, porém, descarta a saída da Vestas do país, ainda que a empresa “não desconheça as dificuldades de se manter no Brasil.”
Nesse ponto, o governo já atendeu o setor e determinou que a partir de 2025 os importadores de turbinas precisarão pagar 11,2% de taxa.
Enquanto não vem uma solução imediata, se as estrangeiras estão indo embora, às empresas brasileiras resta o mercado internacional. À Folha, a Aeris disse acreditar que exportação deve representar cerca de 40% da receita da empresa até 2025, com negócios nos EUA, Chile, México e Argentina (Folha, 11/5/24).